O quadro estava suspenso no quarto onde dormia, na parede ao lado da varanda que dava para o pelourinho, obra prima da arte manuelina. Não tinha assinatura. Parecia-me uma tentativa a óleo de imitar um qualquer impressionista, talvez, em parte conseguida não pela técnica em si, mas pela cor, pela luz e pela serenidade que me transmitia.
Tinhas deixado um bilhete em cima da cómoda, debaixo da moldura que te havia dado com o meu retrato. Tinhas escrito "Vou ter contigo à casa do Lago...quero que estejas à minha espera muito bonita."
Sorri para mim e depois para o quadro. Imaginei-me à janela, afastando os ramos da buganvília, e tentando antever a tua chegada. No tejadilho do carro trarias a canoa, na ânsia de vasculhares todos os recantos e cascatas que te chamavam, dizias tu, e onde te perdias horas a fio, enquanto eu lia e dormitava, dormitava e relia, deitada na erva fresca que cheirava a verão e a sonhos. No primeiro dia dos dias passados na Casa do Lago, tínhas-me deixado um outro escrito meio escondido dentro da canoa - lembras? - "não entres para dentro da canoa ,vai ao fundo com nós os dois...".
Voltei a sorrir. Abri o armário em madeira de castanho (embriagou-me o cheiro doce que dele se desprendia) e tirei o vestido em tons de azul, os sapatos pérola de pequenos tacões e vesti-me demoradamente. Passei as mãos pelo cabelo e compus os folhos sobre o meu peito a descoberto. Pude assim saltar para o quadro suspenso na parede, fazer dele um Monet ou um Degas, e esperar por ti, na claridade da tarde quente, o meu reflexo na água morna, e a minha voz a dizer-te, ao ouvido, "Vou esperar por ti na casa do lago, sim..."
3 comentários:
Teresa
Que belo texto. Como apetece, às vezes, saltar para dentro das imagens que fantasiamos.
Bjs
Sabe que não elogio gratuitamente.
sempre gostei da sua escrita.
Poesia, por vezes a frio...
Esta prosa a quente, escaldante como o fogo que arde no coração de alguém que sabe o que é o amor.
Lindo.
Que bonito...
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