abril 29, 2010

Romance ingénuo de duas linhas paralelas

Duas linhas paralelas
muito paralelamente
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.
Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço
que ninguém sabe onde é
se podiam encontrar
falar e tomar café.
Mas farta de andar sozinha
uma delas certo dia
voltou-se para a outra linha
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
«Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...»
Diz a outra: « Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
se quisermos lá chegar
temos de ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!»
Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada
pela calada, sem um grito
deita a mãozinha matreira
puxa para si o infinito.


E com ele ali à frente
as duas a murmurar
olharam-se docemente
e sem fazerem perguntas
puseram-se a namorar
seguiram as duas juntas.
Assim nestas poucas linhas
fica uma estória banal
com linhas e entrelinhas,
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente.


José Fanha

abril 25, 2010

ERA UM POEMA


Era um poema de mãos abertas
que rompeu em uma manhã
claro dia e carros a subir as ruas

a festa na cidade nas praças de
cal branca e luminosa
no ar quente daquele dia
e era um poema
e era um dia
e eram flores sobre os rios

alguém gritou que só as águas
correm para o peito
vermelhas
como um poema aberto
em mãos abertas
oferecendo a liberdade

e era um rio   era o campo   era uma cidade
uma praça virada ao sol
e era este poema
nas tuas mãos escrito
abertas à manhã clara
da liberdade.

Nota: imagem composta a partir de fotografias não identificadas

abril 24, 2010

Instrumentos de sopro - Apresentação

Decorreu na Biblioteca da Escola EB 2,3 de Azeitão, no passado dia 22.
Sobre a obra a autora deste espaço disse:
A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara, talvez seca pelo estio, mas fértil, enquanto nos ofereça os versos em forma de semente, os poemas em forma de espiga, dádiva, mas não gratuita, sofrida. (...)
Poeta da terra, poeta da ceifa, R.V. despreza o recurso a enfeites e concentra-se no essencial: eis aqui este campo que precisa ser lavrado.

Ruy Ventura's poetry is marked by the beat of the hoe to till the land. A binary beat, to the rhythmic sound of the waves of a harvest, perhaps by summer drought, but fertile, while offering us the verses in seed means, the poems in the make of spike, donation, but not free, suffered. (...)
Poet of the soil, poet of reaping, R.V. despises the use of ornaments and focuses on the essential issues: here is this field that needs to be plowed.


 


Teresa Marques, a nossa menina da Teia, também ela escritora e poeta, referiu a importância do estudo das obras na formação curricular dos alunos. Se bem que também se possa considerar o reverso. Uma obra deve ser dissecada? E serviu-se de um belíssimo texto de Rúben Alves para assegurar a sua teoria. No fundo, ler é fazer amor com as palavras. (RA) E quem somos nós para quebrar esse acto sublime esquartejando versos e palavras?
Do autor e da obra saída agora através das Edições Sempre-em-Pé fica este poema:


síntese


guardarei do teu rosto
apenas o nome:
a dor do espinho rasgando a pele
para que nela entre uma palavra
somente uma palavra
gravada na coluna
que sustentava a nossa infância.

o mel e o azeite reúnem-se
entre flores e mantas de musgo.
mesmo no interior da cidade
o pão reveste-nos de sombra
o teu nome reveste-nos de dor
nesta noite em que vigiamos
o forno do alto da mais alta torre.

pouco ficou da viagem:
o rio nutrindo-se da ponte e da figueira,
o teu nome alimentando
o sangue
que guardo neste poema.

...............................................
 synthesis

from your face I will just
preserve the name:
the pain of the thorn tearing the skin
for it a word can come
just one word
printed in the column
that held our childhood.

honey and olive oil rejoin
among flowers and webs of moss.
even within the city
bread takes us from the shadow
your name brazes us from pain
in this night when we watch
the oven from the top of the tallest tower.

little remained of the trip:
the river feeding on the bridge and the fig tree,
feeding your name
the blood
I save within this poem.



(tradução de Teresa Lobato)

abril 21, 2010

Poema Lamechas


dei-te os dias
dei-te os meus dias
todos - não contei os dias
pelos dedos da manhã

dei-te o sol dos meus dias
que enchia as paredes
do teu quarto
do nevoeiro sobre nós
e uma gota de chuva
a despertar no negrume
da manhã.

apaga a luz
quero ver a cor dos dias
dos dias que te dei
tantos
tantos e eu nem sei
que te dar
se
não
os
dias
os meus dias
que te dei

abril 17, 2010

abril 15, 2010

Instrumentos de Sopro II

SESSÃO ADIADA PARA DIA 22, À MESMA HORA
POR MOTIVOS ALHEIOS À ESCOLA

Instrumentos de Sopro




Acontece hoje, na Biblioteca da Escola EB 2 e 3 de Azeitão, pelas 19 horas. Instrumentos de Sopro vê, assim, a luz do dia pela primeira vez, numa partilha com a comunidade escolar. 
Não podemos inferir que santos da casa não fazem milagres. A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. É tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga - e  ainda bem - a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.

abril 11, 2010

No meu coração/In my heart

A um passo da realidade. Basta um click. Há quem nos considere um bando de nekos (entenda-se por bonecos) que andam uns contra os outros. Há quem faça teses de doutoramento sobre nós. Andamos na boca do mundo e no cotovelo dos invejosos. Somos reais. Temos vida. A única diferença são os pixeis/genes. A nossa alma é a mesma. Por isso trago sempre o teu coração comigo, no meu coração.

Just a steap towards reality. Just a glance.
Some people think of us as foolish avas pushing and shoving. Some people get PHDs studying our behaviour. We are real. The only difference lies between the pixels and the genes. Our soul is the same. That's why I carry your heart with me (I carry it in my heart).*

* refernce to e.e.cummings

Tuka

O Tuka vai abrindo caminho e tentando marcar terreno. As suas investidas são cada vez maiores.
Sempre alerta, como bom felino que se preza. O mais rebelde de todos. O único que consegue que as minhas botas, de manhã, tenham voado do meu quarto para o meio da sala.
Sou uma sortuda! Tenho quatro gatos todos diferentes, com as suas personalidades próprias muito bem demarcadas.
Quem se pode sentir só?

abril 10, 2010

Sim eu sei















sim eu sei que há noites assim
e tu sabes que há noites assim.
a porta fecha-se sobre o silêncio
e só nós ouvimos o respirar
lento do futuro.

somewhere in the night | teresa lobato

abril 06, 2010

Poema da Tarde Só


Hoje
ofereço-te um poema
e só tu saberás que
é
para
ti.

rima
incerta
beijo mão carícia
o cheiro das
palavras
escritas
pousio na tarde.

Onde te ler?

abril 05, 2010

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto,
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mário Quintana

abril 04, 2010

e continuam perdidos, os olhos

Portugal (somewhere2)

abril 03, 2010

... e os meus olhos ficaram tão cheios

Portugal (somewhere)